Tarado
Tinha asco do cheiro dele, daquela mão alva com dedos amarelados de nicotina, os dentes estragados. Logo a avó com tanto nojo de bocas alheias não mandou o guri a um dentista para dar um jeito naquilo. Seria mais digno, mais generoso do que separar as louças: as da casa e as dos serviçais.
Deu para chegar borracho nos dias de folga, com cheiro de canha e cigarro de matar mosquito.
Um dia se aventuraram ilicitamente, infiltrando-se naquele quarto amarelo e vasculharam suas gavetas descobrindo um sem número de calcinhas. Tarado - sussurrou Marina com os olhos arregalados segurando uma calcinha de cetim vermelho com a ponta dos dedos.
- Tarado? Perguntou Corinta.
- Tarado que coleciona calcinhas, idiota.
Ela sabia que algo havia de errado naquela inusitada coleção, só não sabia que sua irmã tinha um nome para designar o gosto pouco usual e sentiu-se, mais uma vez, muito menos esperta que ela que já no outro dia cochichou ao seu ouvido quando o viu passar assoviando a Comparcita: Fetichista!
Palavra que primeiro remeteu Corinta a um fumegante prato de massa com cogumelos e molho branco e depois a um homem que arrumava feixes. De feiche clair. Uma coisa ela tinha certeza: Marina saiu em busca dessa definição com alguma pessoa, ou em um livro, ou dicionário.
- Fetichista?
- É. É uma tara por calcinhas ou outra coisa, tipo salto alto.
- Salto alto? Como assim?
- Pshh!!! Ele é tarado e a vó nem sabe, vai à cabeleireira, o vô vai ao café e quem nos cuida é o tarado das calcinhas, o fetichista.
- Fetuttini que é a massa. Fetichista é quem gosta de calcinha e salto alto.
Aracy cheirando a talco atravessa o pátio mormacento.
- Aracy, tu sabias que o Carlos é fetichista?
- Feti o que? É pau pra toda obra? Faz tudo? Isso?
- Não. Tarado.
- Bem que eu notei que ele chuleia minhas ancas quando passo- falou com um sorriso malicioso –deve querer se deitar comigo, o desgracento.
Marina dá uma gargalhada:
- Aracy,o Carlos tem 24 anos e tu 83, criatura.
- Mas não é pra isso que servem os tarados?
PS.: deve ter sido publicada no jornal Tribuna de Uruguaiana, não tenho certeza. É que pedi à Valeria algumas crônicas antigas, para outra finalidade, mas esta resolvi publicar. Tomara que não me processe!
Um conto meu no teu blog me encheu de orgulho. Tô exibida!
ResponderExcluirGostei. Gostei muito. Acho a Valeria muito especial.
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