sexta-feira, 14 de maio de 2010


ZERO HORA - 14 de maio de 2010 - DAVID COIMBRA


Um povo ficha limpa


Fiz uma aprazível viagem à Itália, tempos atrás, a fim de cobrir uma missão econômica de empresários catarinenses.

Bem.

A folhas tantas, lá estávamos nós visitando uma empresa de reciclagem de plástico em algum bucólico lugarejo do Norte da Bota, não lembro qual, mas lembro que por perto havia igrejas e pizzas. Os italianos, empolgados, nos mostraram uma das utilidades que davam ao plástico usado, que, supunham, poderia ser empregada no Brasil. Eram calçadas de plástico reciclado: placas retangulares de plástico duro do tamanho de uma laje de pedra, com bordas de dois ou três centímetros de altura, como se fossem tampas. As lajes de plástico tinham furos para deixar passar a água da chuva e eram encaixadas umas nas outras. Os italianos sorriam, orgulhosos de sua engenhosa invenção. Agachei-me para observar melhor a coisa. Enfiei o indicador por um dos orifícios e ergui a placa. Com ela pendurada, levantei a cabeça e perguntei aos italianos:

– Fica solta?

Eles confirmaram. Ficava solta. Pus-me de pé, balançando a cabeça:

– Então não vai dar certo no Brasil.

Os italianos entesaram:

– Por que não, Dio buono?

– Porque a turma vai levar embora.

– Turma? Mama mia, que turma?

– A turma. Todo mundo. O pessoal vai levar as calçadas pra casa.

– Mas por que catzo eles iriam fazer uma coisa dessas??? – intrigaram-se os italianos.

– Não precisa de motivo – respondi. – Eles vão fazer.

Os empresários brasileiros, mais de 20 deles entre pequenos, médios e grandes, todos concordaram comigo. É, a turma vai levar as calçadas para casa, não vai dar certo no Brasil. E assim se desfez a possibilidade de um reluzente negócio internacional.

Por que nós, brasileiros, concordamos em uníssono? Porque sabíamos que, aqui, no Patropi, enxameiam ladrões oportunistas pelos oito milhões e meio de quilômetros quadrados do território nacional. O cara não é um bandido por profissão, não anda com trezoitão na cintura, não enfia ninguém em porta-malas, mas não pode passear pela praia e ver um chinelo de dedos sobre uma esteira que dá de mão nele. Tivesse a chance, esse cara levaria para casa um milhão. Como não tem, fica com o troco errado da mercearia.

Somos todos assim? Todos nós? Claro que não. Nem a maioria de nós. Mas muitos de nós. Quantos? Ora, se fosse instado a estipular a proporção de desonestos que há no povo brasileiro diria que é, mais ou menos, à do Congresso Nacional. Quer dizer: a democracia funciona. Nossos ladrõezinhos de ocasião estão todos representados na Câmara, no Senado e nas Assembleias. Todos com ficha limpa. Todos esperando a oportunidade de meter a mão no seu milhão.

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