É mais que procedente a nostalgia de Moisés Mendes (Zero Hora de hoje) ante uma campanha com candidatos que parecem fechados a vácuo, plastificados ... Mas ele que fale ...
Saudade do Enéas
Sou um crédulo. Durante muito tempo, temi que o mundo rico se apoderasse do nosso nióbio. O nióbio seria o nosso pré-sal dos anos 90. O Enéas Carneiro alertava e eu acreditava: estão levando o nosso nióbio. Levariam também o nosso titânio. Enéas esclarecia que o titânio é um metal decisivo para o isolamento de caldeiras e também para a dessalinização da água do mar. Sem titânio, poderíamos ser condenados a beber água salobra em pouco tempo. Na infância, bebi muita água salobra em Rosário e Alegrete. Não gostaria de beber de novo.
E ainda tinha o nosso quartzo, que é da melhor qualidade. Sem quartzo, dizia o Enéas, não se constrói microcomputador. Eu acreditava nas advertências do Enéas como acreditei no Bug do Milênio em 2000. Enéas era o nosso Antônio Conselheiro. O mundo estava acabando, o sertão ia virar mar, sequestrariam todo o nosso nióbio, esgotariam nosso quartzo.
Faz falta uma figura como Enéas nesta campanha. Imagino o que Enéas faria hoje com o pré-sal. Mandaria lacrar todos os poços. Enéas não era pouca coisa. Era médico, dava conferências, tinha reputação. Surgiu na eleição de 1989, a primeira depois da ditadura, ao lado de Lula, Collor, Ulysses, Brizola, Covas. Que timaço. Não era um cacareco, mas alguém a ser levado em conta. Em 1994, fez mais votos do que o Brizola.
Uma campanha sem um Enéas é uma campanha cartesiana, de fala ensaiada. Falta uma fala solo. Não há cabelos, nem dentes, nem vírgulas fora de lugar numa campanha assim. É uma campanha profissional demais, dirigida demais, cinematográfica, cuidadosa, previsível. Enéas tinha ginga, era barbudo e careca. Olhava para a câmera como esses artistas amadores olham pra gente no YouTube. Tinha o poder de síntese do Twitter. Dizia em oito segundos o que o grande Ulysses levava 10 minutos para dizer.
Sinto saudade do Enéas porque ele fazia o contraponto ao que seria sério com a mesma simulação de seriedade, a mesma capacidade de assertiva, de convencimento e de horrorizar. Enéas foi um Jânio que não deu certo. Sem um Enéas, sem um Jânio e até sem um Collor, fomos abandonados ao excesso de seriedade.
Enéas não era um Tiririca, um candidato esdrúxulo que debocha da própria candidatura com a cumplicidade de eleitores anarquistas. Era mais complexo, declaradamente reacionário, militarista, moralista. Com esses candidatos que andam por aí, não tenho medo de nada. Nem do alerta de que uma revolução temporona está por chegar. Temo apenas que não estejam cuidando direito do nosso nióbio.
Moisés Mendes
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