sábado, 7 de agosto de 2010

Para a planejada viagem de trem desde Posadas, estava muito frio e a chuva da semana anterior ainda ameaçava voltar. Para Buenos Aires, nosso tempo era curto e a plata, também. Nos quedamos em Mercedes, dos bárbaros campos de que sempre ouvira falar, onde a rotina do desjejum (já com sol alto), da botella de vinho no almoço (prenúncio de siesta larga), da outra na janta (hora de mais antepastos e carnes), a hospitalidade dos correntinos (a desmentir o nosso preconceito), a media luna (sem recheio, como preferimos, eu e a patroa), a coberta contra o frio (princípio e fim daquelas noites e dias) e o sorvete de chocolate com nozes (quando o sol da tarde já se ia, anunciando a geada), fez sobrar pouco tempo para ler os jornais daqui e cuidar do blog, mas a volta é sempre um imperativo. E, como os anarquistas, dizer soy contra, vital.

Voltei na semana em que já findava o debate sobre a tal Lei das Palmadas, que vem para tirar mais um naco do direito natural da prole de ser educada sob o fogo sagrado dos valores do seu clã - sem outra intromissão do Estado além do Código Penal e do ECA, já vigentes. O presidente Lula (pai do Lulinha) podia ter feito uma campanha para adestrar os pais a lidarem com os próprios filhos, pedir apoio à Pastoral da Criança, pais, tias, babás, sei lá, mas preferiu apelar ao direito positivo. Fazer lei é sempre mais rápido e eficiente aos propósitos de quem está no poder: equiparada a palmada ao espancamento, o pai amoroso, mas rígido, vira bandido - que é bem o que quer essa gente que foi chocada em ONGs, ou nos ditos movimentos sociais, para exercer o ofício de militante dos direitos humanos, os Marcos Rolim da vida ... Mas mal aquele debate mermou e veio nova (má) notícia de Brasília: Lula não apóia o movimento mundial contra a lapidação (morte por apedrejamento) de Sakineh Mohammadi Ashtiani, iraniana condenada por adultério (cometido depois da morte do marido, diga-se). Acha que os costumes, lá, têm que ser respeitados, e as leis daquela ditadura, reconhecidas como legítimas. (Bárbaros são os que, aqui, dão palmadas nos filhos e nas filhas!) E como o Irã é uma teocracia, onde a lei emana da religião, que dita os costumes ... azar de quem nasceu fêmea no meio dos valentes soldados de Alá! Eis o presidente que encanta 77,5% dos brasileiros (CNT/Sensus, de 05/7/2010). Inclusive àqueles ditos humanistas que lhe fazem tímidas críticas, um artiguinho aqui, outro ali, porque, no fundo, não querem atrapalhar a construção do tal outro mundo possível ...

Nos próximos dias ou semanas, quando Fasride, 19 anos, e Sajjad, 22, assistirem a mãe ser rebentada pelas pedras dos aiatolás, a imprensa tupiniquim já terá esquecido do caso e estará comemorando a possível liderança de uma outra mulher, Dilma Roussef (que já achou legítimo pegar em armas contra uma tirania, e pegou), na corrida à Presidência da República. Dirão que isso é mais um sinal do amadurecimento da democracia brasileira, o sociólogo, o ex-operário e a mulher que foi guerrilheira chegaram lá ... Que Lula, tão criticado, estava certo, negócios são negócios ... E eu me juntarei aos 22,5% (não é pouca gente!) que dizem soy contra! E que concorda com o historiador Marco Antonio Villa: - Para ser respeitado, acima de interesses, um país tem que ter princípios. Aí, já primavera, voltarei àquelas media lunas, e, por uns dias, esquecerei dos companheiros ...

PS.: não deixem de ler o texto que vai depois do vídeo (Capacho), de Reinado Azevedo.






02/08/2010

Capacho
O título parece nome de filme iraniano? Não deixa de ser. No caso, um filme de terror que se realiza lá e uma tragicomédia que se vive aqui. No Irã, a protagonista é Sakineh Mohammadi Ashtiani (foto), acusada de adultério e condenada a morte por apedrejamento — já recebeu 99 chibatadas. No Brasil, o ator principal é Luiz Inácio Lula da Silva, capacho de ditaduras em que trogloditas de todo o mundo tentam limpar suas patas sujas de sangue em nome da autodeterminação dos povos. Há um movimento mundial em favor da libertação de Sakineh. Ao clamor mundial, Lula responde ora com estupidez, ora com chacota falsamente caridosa, que mal disfarça o endosso à tirania iraniana e, acreditem!, o apedrejamento simbólico da vítima. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é aprovado por quase 80% dos brasileiros? Estou me lixando pra isso. Revela-se, a cada dia, um monstro moral. Quando e se ele bater nos 100%, vocês me avisem: pretendo ser o traço estatístico a lhe dizer “NÃO!!!”

Mesmo quando parece aquiescer com as noções básicas de justiça, Lula chafurda no pântano da justificação do mal, da impostura, da vilania ética e da ilegalidade. Este senhor, com efeito, é uma personagem inaugural: nunca antes na história destepaiz a estupidez foi tão bonachona, a burrice tão aclamada, a prepotência tão “autêntica”. Lula é a expressão do bom selvagem de Rousseau — uma formulação já originalmente cretina de um cretino “castelão e vagabundo” (by Fernando Pessoa) — filtrado pelo sindicalismo oportunista e pelo stalinismo do petismo casca-grossa.

No sábado, durante um comício em favor da candidatura de Dilma Rousseff à Presidência, o Babalorixá de Banânia resolveu oferecer a sua ajuda a Sakineh nestes termos:
“Se vale a minha amizade e o carinho que eu tenho pelo presidente do Irã e o povo iraniano, se essa mulher está causando incômodo, a receberíamos no Brasil de bom grado”.

Notem que a vítima aparece como aquela que “está causando incômodo”. Mahmoud Ahmadinejad, que manda enforcar opositores em praça pública, pendurados em guindastes — como se vê na foto abaixo —, merece a “amizade” e o “carinho” de Lula. Mas isso ainda é pouco.

O presidente brasileiro não está se oferecendo para receber a iraniana condenada ao apedrejamento em nome da civilidade, dos direitos humanos ou mesmo da caridade. Ele se propõe a resolver um “incômodo” de seu amigo Ahmadinejad. Entende-se que a oferta busca honrar aquela “amizade” e aquele “carinho”. Não é que ele ache a pena, em si mesma, brutal ou injusta. Lula, em suma, justifica o mal.

A impiedade de sua oferta — e nisso está sua impostura — se revela na seqüência de sua fala, quando confessa, em seu português exótico, cujo sentido se presume, ter traído Marisa Letícia:
“Fico imaginando se um dia tivesse um país do mundo que se o homem trair fosse apedrejado. Eu queria saber quem é que ia gritar: ‘Atire a primeira pedra iá iá aquele que não traiu’”.

Ele cantarolou. Os presentes riram. Lula é a face risonha da morte. Lula é a versão galhofeira das tiranias. Lula é o clown da violência institucional. No fim das contas, oferece o Brasil como abrigo inferindo que esta é uma boa terra para adúlteros, não para vítimas de ditaduras. Bem, os boxeadores cubanos que o digam. Lula os jogou no colo de Fidel Castro. Tudo compatível com o pensador que comparou os protestos contra a fraude eleitoral no Irã a torcedores descontentes porque seu time perdeu o jogo. Lula atinge o grotesco quando cantarola “atire a primeira pedra” referindo-se justamente a a uma mulher condenada ao apedrejamento. Eis o vilão ético.

E, por espantoso que pareça, Lula também transgrediu abertamente a lei ao fazer, num palanque eleitoral, uma oferta que diz respeito ao que seria um ato de governo. Sua propensão à ilegalidade é incurável.

Mãos sujas
O Babalorixá já havia lavado as mãos nesse caso — sujando-as, como de hábito, no sangue de todas as ditaduras do planeta. Na quarta-feira, em solenidade no Itamaraty, explicou por que preferia não se envolver:
“Um presidente da República não pode ficar na internet atendendo todo o pedido que alguém pede de outro país. É preciso tomar muito cuidado porque as pessoas têm leis, as pessoas têm regras. Se começarem a desobedecer as leis deles para atender o pedido de presidentes, daqui a pouco vira uma avacalhação”.

Seria até ocioso, mas vale lembrar, uma vez mais, a título de registro histórico que este mesmo presidente foi a voz mais estridente contra os governos constitucionais de Honduras — tanto o provisório, que substituiu o golpista Manuel Zelaya, como o eleito (que o Brasil ainda não reconhece) —, ignorando, então, o fato de que aquele país “tem leis”. É claro que são situações incomparáveis: Zelaya foi deposto para que a democracia sobrevivesse em Honduras; a condenação de Sakineh é evidência de uma tirania. Lula é legalista nos regimes de força e porcamente legitimista nas democracias; naquelas, defende o império da lei que perpetua o mal; nestas, alinha-se com os transgressores, que as depredam em busca do mal.

E Dilma, a “mulher”?
A candidata petista Dilma Rousseff, a exemplo de seu chefe, é uma contumaz defensora do regime iraniano e de seu líder máximo, Ahmadinejad. Suas entrevistas estão espalhadas por aí. Dada a repercussão mundial do caso e considerando que Lula é um dos poucos “amigos” do facinoroso, resolveu se pronunciar a respeito. Segundo a candidata, a condenação “fere a nós, que temos sensibilidade, humanidade”.

É a expressão do pensamento afásico da criatura eleitoral de Lula. Uma ova, minha senhora! A condenação de Sakineh não é algo que ofende almas sensíveis. Trata-se de uma brutalidade que fere o que tem de ser considerado um padrão universal, sim, de civilização, que não pode ser seqüestrado pela canalha relativista — canalha esta tão mais propensa a reconhecer os “valores particulares” de cada país quanto mais esses valores se chocam com o Ocidente que adoram detestar. E só podem detestá-lo, diga-se, porque as prerrogativas democráticas que ele oferece lhes faculta a expressão de seu odioso pensamento. Eis aqui, leitores, um grande paradoxo: as democracias permitem até a manifestação do mal; as tiranias costumam proibir a expressão do bem. Lula e Dilma são amigos dos tiranos.

Lula, visto inicialmente como o príncipe augural, recebeu o beijo da prepotência e voltou a ser o sapo retrô, que vai deixando, mundo afora, um rastro asqueroso de justificação do mal. Ao contrário do que reza a propaganda oficial e até de certo senso comum, Lula manchou a reputação do Brasil num valor cada vez mais caro na relação entre os países: os direitos humanos. Confessando-se um adúltero — e supondo que todos o são —, este senhor ofereceu-se para receber uma “adúltera”, não uma vítima de um regime asqueroso. E assim procede porque, afinal de contas, suas relações com o tirano são de “amizade” e “carinho”.

É o mais baixo a que ele chegou até agora. Mas eu jamais corro o risco de subestimá-lo. Seu mandato não acabou. E, nesse particular, Lula pode mais.

Por Reinaldo Azevedo

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