sábado, 11 de setembro de 2010


Deixa “a mulher" falar, presidente!

Lula é hoje talvez o brasileiro que menos confia na capacidade de Dilma Rousseff de andar com os próprios pés, falar com a própria boca, pensar com a própria cabeça. O rompante demagógico e sentimental do presidente no dia 7 de setembro atropelou sua candidata. Na TV, Lula afirmou que associar o PT à quebra de sigilo fiscal de parentes de José Serra é “um crime contra a mulher brasileira”. Não, presidente, a violação do sigilo é um crime contra a Constituição. Crime contra a mulher é outra história.

Mais chato e pernicioso que o jogo de empurra entre personagens menores na Receita com nomes mirabolantes como Adeildda, que fuçam como tatus a vida de milhares de cidadãos e falsificam assinaturas, é esse discurso sobre a mulher intocável e santa. Quando os debates começaram, Lula disse que esperava de concorrentes e entrevistadores “mais delicadeza” com Dilma, por ser ela do sexo feminino. Também afirmou que “finalmente o país está preparado para ter uma mulher como presidente”. Como se antes não estivesse. E como se ser mulher fosse pré-requisito para uma boa Presidência. A vizinha Cristina Kirchner não nos deixa mentir.

Agora, o paternalismo do presidente tornou-se patético. Dilma foi jogada para escanteio, numa rouquidão providencial, seguida do nascimento tuitado do primeiro neto. Lula deu uma de macho, falando por uma ex-ministra que nada tem de frágil, conhecida pelo temperamento forte e por um passado de luta contra a ditadura. Em seu ufanismo pontuado pelo Hino Nacional, de terno e broche da Presidência, Lula fez-se de vítima e infantilizou seus eleitores, tratando-os como analfabetos desprovidos de raciocínio.

Como chamar a oposição de “turma do contra”, sem amor pelo país, que “quer destruir tudo o que foi feito”, se o adversário José Serra, à revelia ou não do PSDB, adotou um discurso atabalhoado de continuidade e quis pegar carona nas conquistas sociais do presidente? Lula não tentou destruir tudo o que foi feito por FHC. Ao contrário, manteve a política econômica do governo anterior e caiu de amores por impostos que considerava “assalto ao povo”, como a CPMF. Quando fala da “zelite” para o povão, Lula omite que os banqueiros estão entre os mais satisfeitos com o governo do PT. Esse é o maniqueísmo favorito do ex-sindicalista. Ricos contra pobres. Doutores contra operários. Uma dicotomia falsa no Brasil de hoje, felizmente.

Nenhum presidente de outro partido ousaria mexer no que está dando certo. Um exemplo positivo, a comemorar, é a contínua redução da desigualdade. Apesar da crise internacional, 1 milhão de brasileiros deixaram de ser pobres no ano passado, nos cálculos da Fundação Getulio Vargas.

O paternalismo de Lula é patético. Ele é quem menos confia na capacidade de Dilma andar sozinha
A atitude intempestiva de Lula não é novidade para quem acompanha seus oito anos de mandato. Sua incontinência verbal se aprofundou e hoje resvala no vulgar. Chamar os Estados Unidos de “elefante que se borra para o rato” é uma expressão não apenas gratuita e ofensiva. Ela não faz jus ao relacionamento adulto entre os dois países. Lula tem dito impropérios, mas pede “equilíbrio”. A baixaria é de quem?

Dilma era considerada pelo próprio PT um poste, por jamais ter disputado uma eleição. Hoje é favorita, pelo milagre da transferência de votos, mas também por seus próprios méritos. Dificilmente esse escândalo obscuro pode mudar o panorama. Os números explicam isso. Somente 40 milhões no Brasil declaram Imposto de Renda. Mas, dos 130 milhões de eleitores, 54% são analfabetos, analfabetos funcionais ou não terminaram o ensino fundamental. E a maioria deles idolatra Lula.

Sob pressão de seu mentor, Dilma disse em comício em Goiás que “eles (os tucanos) estão com medo de uma mulher dar certo”.

Governar não é uma questão de gênero. Ser presidente da República é o desafio de uma vida. Se eleita, Dilma vai querer imprimir sua marca e não se conformará em ser vista como interina, esquentando cadeira para a volta de Lula após quatro anos sabáticos.

Conseguirá o “pai dos pobres” calar-se e deixar o país em suas mãos de mulher? Ou exigirá guarda compartilhada?

RUTH DE AQUINO
é diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro
raquino@edglobo.com.br

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