segunda-feira, 20 de setembro de 2010

A postagem de hoje de manhã (sobre o desfile gaúcho) já quase animou o Ruy Gessinger a criarmos um piquete de blogueiros meio do contra ... Isso que ele não viu a crítica do Janer Cristaldo ao 20 de setembro - na verdade, gancho para uma página de alta sensibilidade! Vejam:

Segunda-feira, Setembro 20, 2010

20 SETEMBRO NUNCA MAIS

Como a aurora precursora
do farol da divindade,
foi o Vinte de Setembro
o precursor da liberdade.

Mostremos valor, constância,
nesta ímpia e injusta guerra,
sirvam nossas façanhas
de modelo a toda terra.

Entre nós revive Atenas
para assombro dos tiranos;
sejamos gregos na glória
e na virtude, romanos.

Mas não basta p’ra ser livre
ser forte, aguerrido e bravo,
povo que não tem virtude
acaba por ser escravo.

Nossas façanhas? Que façanhas? Que aurora precursora? Que farol da divindade? A propósito, que divindade? Que Atenas revive entre os gaúchos para assombro dos tiranos, logo num Estado cuja capital até hoje homenageia um de seus ditadores, Borges de Medeiros, o presidente do Rio Grande do Sul durante 25 anos? O hino rio-grandense, como em geral todos os hinos, é de um ridículo atroz.

Mas o 20 de setembro é data para mim muito cara. Não pelas fanfarronices dos rio-grandenses que se dizem gaúchos. Mas por algo mais singelo, o encontro com a mulher que mais amei. Não prometi nada na ocasião. Pode ser que amanhã isto não se repita. Pode ser que se repita pelo resto dos anos. Faz hoje 45 anos. Repetiu-se por 38 anos, e mais não se repetiu porque a vida não quis. Vinte de setembro era para nós, não o dia da independência gaúcha, mas de nossa independência. Sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra. As nossas, bem entendido. Não as supostas façanhas dos sedizentes gaúchos.

Como o 20 de agosto, data em que ela partiu, o 20 de setembro também me machuca. Eu tinha 17 anos, ela 18. Adolescente, não imaginava que naquele dia estava elegendo a companheira de toda uma vida. A cada 20 de setembro, cantávamos: “foi no 20 de setembro...” Mas não estávamos comemorando nenhuma efeméride gaúcha.

38 anos. É mais vida que a de Alexandre, que só viveu 33. Certo, o peoniano conquistou mais mundos do que eu. Não o invejo. Conquistá-la alegrou mais minha vida do que se tivesse conquistado impérios. De lá para cá, se passaram mais sete anos. Quando ela partiu, imaginei que não sobrevivesse muito. No entanto, cá estou. Como dizia Fierro,

Solo queda al desgraciao,
lamentar el bien perdido.

Percorremos o mundo naqueles anos. De Roma a Estocolmo, de Lisboa a Viena, De Nova York ao Quebec, de Buenos Aires a Santiago, de Atenas ao Cairo, do Assekrem a São Petersburgo. Quando morei em Estocolmo, ela ficou em Porto Alegre. Nos encontramos, aos prantos, no Rio. Quando morei em Madri, ela estava em Paris. A cada quinze dias, alguém pegava um trem e atravessava França e Espanha, para fazer a festa. Por alguns anos, viagens nos separaram. Voltávamos correndo um para o outro. A cada vez que o avião decolava, ela me apertava a mão e me interrogava, com um sorriso que até hoje me faz chorar: “on y va?”. Sim, on y va. Agora, on n’y va plus.

A vida continua. Se feliz ou infelizmente, ainda não decidi. “Fazes falta? – pergunta Pessoa –. Ó sombra fútil chamada gente! Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém... Sem ti correrá tudo sem ti”. Não é bem assim. Pessoas fazem falta, meu caro Pessoa. Sei do que falo. Cada 20 de setembro me pesa como toneladas sobre a alma. Muitas vezes me perguntei se não seria melhor ter como companheira uma mulher abominável. Quando ela morresse, seria como uma libertação. Pergunta besta. Melhor ter uma mulher adorável, mesmo que se sofra depois.

Já que falei de Pessoa, recorro à sua tradução soberba de Poe:

Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido murmurei lento, “Amigos, sonhos – mortais
Todos – já se foram. Amanhã também te vais”.
Disse o corvo: “Nunca mais”.

Sei, amanhã também me irei. Iremos nós todos. Até lá, resta afagar os bons 20 de setembro que um dia tivemos.

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