domingo, 26 de junho de 2011

Sábado retrasado, ouvi Cicico Dornelles, num programa em que estimulava os pequenos produtores a aproveitarem o nicho reservado por uma lei recém saída que lhes possibilita fornecerem 30% das compras (de comida) das secretarias de Educação, estadual e municipal, meio de má vontade, explicar aos ouvintes do Charrua Rural que não se deve mais falar merenda escolar; o moderno agora é dizer alimentação escolar. Merenda seriam as porcarias que alimentaram todas gerações até a nossa (bolachinha, rapadura - ah, aquelas de abóbora! -, pastel, empada, no meu tempo de Dom Hermeto e Elisa ...). A outra expressão encerra os conceitos da, digamos, nutrição correta. Eu ia engolindo a explicação da "educadora" que o acompanhava no programa e que resolveu dar uma aula sobre o porquê da mudança do vocabulário, até que a infeliz disse que o objetivo é, também, resgatar a cultura alimentar donde vivem as crianças, os estudantes (até aí, ia engolindo, como disse), "desde que sejam hábitos saudáveis, não vamos incentivar que comam linguiça, né". PQP! Pensei em ligar para a rádio, mas puxei o botão e fiz a mulher se calar na hora! (Não serei eu a lhe ensinar o que é saudável ...) Eu, que lá pelos seis anos, lamentei que as merendeiras não servissem qualhada com leite e açúcar, a merenda que a Vó Tita (dona Astrogilda Sant'Anna Fagundes, minha bisavó, pelos dois lados) me dava numa caneca de alumínio meio amassada, que não sei onde foi parar! Carlos Eduardo Florence, médico (e escritor) cachoeirense, vem em socorro de todos que não aceitam a novilíngua. E dá o alívio de nos sabermos menos sós. Jornal do Povo, hoje:



eflorence@uol.com.br
Index Librorum Prohibitorum
Quando o socialismo entrou em colapso, substituíram ele por um culturalismo que encaminhou os discursos para uma desconstrução de tudo que julgavam dominante e para um feminismo meio hipócrita, meio oprimido. Afinal, elas todos os meses sangram, quer nos considerem falocráticos ou não. Feminismo e países de terceiro mundo passaram a ser similares, ambos submetidos ao poder do capitalismo que seria, em outras palavras, machista. São as minorias. Estão nos obrigando a adotar um discurso que segue a nova etiqueta dos bons modos. Por graça e obra de um tipo de Santa Edwiges dos Aflitos, rainha da semântica e da linguística, aquelas palavras que julgam feias e discriminatórias serão substituídas por expressões neutras, belas e melodiosas. Ninguém mais é anta ou burro, e, sim, pessoa dotada de outros talentos. É o politicamente correto. No fundo é tudo igual, querem dominar através de coação moral. É um instrumento de dominação disfarçado em voz única e dominadora. Uns são os bons, o resto são os maus. Uma palavra errada e estarás condenando ao tribunal da nova inquisição. Giordano Bruno, Copérnico e Galileu se atreveram a dizer que a Terra é que girava em torno do sol e um foi para a fogueira, outro teve que pedir perdão e o terceiro massacrado moralmente. Ai de quem estava contra a doutrina da Igreja Católica e hoje para quem vai contra o politicamente correto esquerdizante. Surgiu o novo "Index librorum prohibitorum" da incorreção política e naquilo que acreditam ser discriminatório. No futuro mandaremos artigos para o Index. Haverá um tribunal composto de trabalhadores, egípcios, damas da noite e, caso estes escrevam "Nihil obstat" (Nada impede), o artigo receberá o carimbo de "Imprimatur", isto é, imprima esta coisa. Emitir opinião se tornou um campo de batalha como os cruzados em guerra atrás da porta de Jerusalém . É perigo de vida usar as expressões fascista, machista, governo corrupto, isto só existe na direita. Filhos serão condenados até a terceira geração se forem emitidas ideias eurocêntricas, americanófilas, logocêntricas e falocráticas. Elitistas nem pensar, cultura que não seja popular é crime. O FHC falou em povão e está condenando a morte por açoitamento. Corromper pelo partido mensalmente pode, não pode é para si próprio. Mas pelo menos que isto seja como um eclipse oculto, ninguém vê. Está lá, no Index Prohibitorum do Neo pessoal do foie gras. A palavra desemprego é desabonatória, diga lazer não solicitado. Bandido e meliante não sei se pode. O Millor escreveu que não devemos temer os fora-da-lei, e sim os acima das leis. Preconceito não se termina usando a palavra afro-descendente no lugar de negro. Afinal, quem não é mulato no Brasil já escreveu o Gilberto Freyre. A genética provou. Yes, nós somos filhos dos filhos dos filhos dos negros, graças a Deus. Nuvens negras está esconjurado, quadro negro também? O politicamente correto por mais engraçado que seja nasceu nos Estados Unidos e foi encampado pela esquerda do mundo. Nada é mais sem graça que americanos e comunistas. Dúvida é esta apropriação da África. Que eu saiba o Egito, o Marrocos, a Líbia, a Argélia e a Tunísia também são afro-descendentes. Escrever e falar politicamente incorreto são ferramentas invisíveis da opressão e são a tônica do pensamento de uns caras como o Foucault e o Derrida. Te esconjuro. As feministas e aqueles que perderam os dogmas rastreiam na cultura ocidental pegadas de opressão. As ditas minorias formam um lobby correto que pede um tratamento social mais civilizado, mas por outro lado as intimidações morais tendem a dificultar o livre desenvolvimento de um público liberal. Liberal, não político, certo? Já sabemos pela história que a presença da mulher eleva significativamente o nível de civilização de um país. Os excessos é que são risíveis. Para onde está caminhando a humanidade e a linguística? O Brasil está dividido entre quem escreve a presidente e aqueles que falam a presidenta. Muito importante esta discussão. Risos e gargalhadas geral. E a Ideli, hein. Li uma frase do alemão Dietrich Schwanitz nesta semana: "Além disto as feministas e outro grupos, por intermédio de seus representantes, fazem uma forte política simbólica e linguística ao imporem a normalização das formas gramaticais femininas em textos oficiais do Estado (Estados Unidos e Europa), o que nem sempre ocorre sem causar efeitos colaterais cômicos". Escreveu isto em 1999. Nada é original, por aqui. Tudo se copia. Deve ser influência do jazz.

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