Nem só de gírias vulgares e de internetês se contamina a nossa linguagem. Pragas cultas também a ameaçam. Renascendo o velho maniqueismo da luta de classes, o Politicamente Correto faz uma espécie de putativa redenção dos excluídos. Cego vira portador de necessidades especiais, expressão que não comunica nada, porque pode ser usada para qualquer outra modalidade de deficiência, e tampouco resolve o problema de quem não enxerga. Em 1984, George Orwell usou a novilíngua para mostrar a que ponto chega um povo que perde as referências ao aceitar que as coisas tenham seu nome alterado por iluminados construtores de uma nova sociedade. Hoje, no Jornal do Povo, de Cachoeira do Sul, o escritor (e médico) Eduardo Florence - que um dia o Rio Grande há de descobrir - abordou o assunto. Ei-lo:
Politicamente correto
Demorei alguns minutos para entender o que aquela frase numa placa queria realmente dizer: Revitalizador de sapatos.
Irônica e politicamente incorreta, a frase queria dizer que naquele lugar engraxavam-se sapatos. O medo de dizer a palavra engraxate fez o crime contra a palavra. Preferível dar o nome aos bois a não querer ferir os sentimentos e as suscetibilidades das pessoas. Politicamente correto é não corromper ou ser corrupto. As desculpas de que desvio de dinheiro é caixa dois e não vantagens financeiras pessoais é a emenda pior do que o soneto. Fazer caixa dois é duplo crime: és corruptor e corrompido. Pelo menos que roubem para si e não para corromper consciências. Revitalizador de sapatos é engraxate, assim como branco é branco, preto é preto, a mulata é a tal e todo mundo é igual.
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