segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

ASSIM COMO ERA NO PRINCÍPIO.


Meu pai e eu passamos a nos conhecer de fato quando perdemos a mulher comum de dois que nos unia e separava. Unia por que era um elo incomparável na maneira de gerir coisas e sentimentos de casa, pequenas crises, alegrias e desconfortos. E separava por que dois homens (ou um pseudo) nunca souberam e jamais saberão dividir uma mulher.

Antes éramos pai e filho distanciados pelas vontades juvenis jamais satisfeitas de um lado e uma autoridade esforçada do outro. Lembro que ele mais sabia gostar do que ordenar, mais era compreensivo do que cobrador de deveres e dizia “mas quem disse que eu queria ser pai?” E completava “eu mal sei cuidar de mim...”. Ainda assim cuidou de mim quando eu sequer percebia seus cuidados e me deu luzes muito além das que tinha, embora soubesse como poucos onde buscá-las.

O que fomos nós como parceiros? O que fui para ele como resguardo, esteio e amigo? Nada. Mas um nada tão dolorido que nem vivendo três gerações do nosso incompreensível desleixo familiar, e sofrido por isso, haverei de redimir a mínima lágrima que sei, cansou de expulsar dos olhos durante as minhas partidas. Éramos dois, mas sempre ficou só um. Na vida, multiplica-se quando se divide. Isto vale para afetos e são necessários no mínimo dois, pois como na aritmética, a unidade não pode dividir. Um é sempre primo, e primo não pode ser filho.

Meu pai sempre renegou a luz que o perseguia. Foi avesso aos brilhos que produziu na juventude em função de seus talentos e, claro, ao azul incompreensível que carregava nos olhos. Apagou muito antes de deixar de brilhar. Refugiou-se cedo no esconderijo sentimental chamado saudade, pois o preço que pagou por ter demonstrado pouco amor em vida à mulher que escolheu foi o de viver amando eternamente uma lembrança. Reapaixonou-se tarde demais pela minha mãe, que partiu numa idade de apenas começar a velar perdas.

Pobre, pai! E pobre de mim que agora, por ter amado pouco em vida os dois, pago o preço de amar eternamente duas lembranças, refugiado, vez por outra, numa dolorida saudade só poderá ser morta quando as minhas cinzas forem, enfim, morar com o pó das ruas.


Jair Portela

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