CORREIO DO POVO - PORTO ALEGRE, SÁBADO, 19 DE JUNHO DE 2010 - Juremir Machado da Silva
Velho Saramago
Morreu José Saramago, o único prêmio Nobel de Literatura de língua portuguesa. Nunca fui seu fã de carteirinha. Mas só posso reconhecer que ele tinha bala na agulha. Ainda mais agora que ele se foi. Adorei seu romance "A Jangada de Pedra". Depois, patinei um pouco em seus livros seguintes, todos marcados pelo seu estilo peculiar, a frase longa, interminável, um rio caudaloso levando tudo pela frente, com elegância, com fúria, impiedosamente. Prefiro frases curtas. Nem sempre gostei das suas metáforas grandiosas, pesadas, à moda antiga. Meu ponto de vista sempre esteve marcado certamente pela minha preferência pelo seu compatriota e rival literário Lobo Antunes, mais cético, mais cínico, mais niilista.
Entrevistei Saramago uma vez, em Porto Alegre. Não guardei lembrança especial desse encontro, salvo a de um senhor ranzinza que dava respostas previsíveis e parecia sempre chateado, estressado ou deslocado. Entrevistei Lobo Antunes em Lisboa, num velho apartamento desarrumado, e fiquei marcado. Perguntei a Lobo Antunes o que pensava de Saramago. A sua resposta foi curta e grossa: "Conheço mal Saramago. Leio duas páginas dele e chateio-me. A leitura deve conduzir ao prazer. Posso assegurar que não encontro prazer nos livros de Saramago". Terá mudado de ideia? Dirá agora outra coisa? Ideologicamente, não há como evitar o tema, Saramago era um anacrônico, um teimoso, um Dunga disposto a morrer, como morreu, abraçado com suas convicções. Politicamente falando, embora nunca se deva falar mal de um morto, Saramago era um chato, um velho reacionário de esquerda.
Queria voltar no tempo. Algumas vezes, tinha razão, especialmente nos seus ataques ao neoliberalismo. Era um escritor de imaginação exuberante. Como gosto de andar na contramão, direi que o melhor de Saramago era a poesia. Tenho, na minha biblioteca, curiosamente, dois exemplares de um livro de Saramago, lado a lado, "Provavelmente Alegria". Gosto de reler este poema dele: "Ainda agora é manhã, e já os ventos/ Adormecem no céu. Pouco a pouco,/ A névoa antiga e baça se levanta./ Ruivosamente, o sol abre uma estrada/ Na prata nublada destas águas./ É manhã, meu amor, a noite foge,/ E no mel dos teus olhos escurece/ O amargo das sombras e das magoas". Acho isso maravilhoso. Saramago ficará na história da literatura contemporânea como um dos grandes. É menos conhecido no mundo do que o argentino Jorge Luís Borges, que não ganhou o Nobel.
Saramago começou a escrever tarde, depois de uma primeira tentativa fracassada. É um consolo para os que ainda sonham com a glória, com a fortuna e com a admiração de milhões de leitores apesar da idade avançada. Nos últimos tempos, ele era blogueiro, com ajuda da mulher, sinal de que conseguia se adaptar aos novos tempos, exceto ideologicamente. Estarei na França neste sábado. Quero ver a repercussão da morte de Saramago em Paris. Será que as livrarias vão se encher de livros dele nos pontos de destaque? É o momento. Depois, como sempre, começará o longo trabalho do esquecimento.
Morreu José Saramago, o único prêmio Nobel de Literatura de língua portuguesa. Nunca fui seu fã de carteirinha. Mas só posso reconhecer que ele tinha bala na agulha. Ainda mais agora que ele se foi. Adorei seu romance "A Jangada de Pedra". Depois, patinei um pouco em seus livros seguintes, todos marcados pelo seu estilo peculiar, a frase longa, interminável, um rio caudaloso levando tudo pela frente, com elegância, com fúria, impiedosamente. Prefiro frases curtas. Nem sempre gostei das suas metáforas grandiosas, pesadas, à moda antiga. Meu ponto de vista sempre esteve marcado certamente pela minha preferência pelo seu compatriota e rival literário Lobo Antunes, mais cético, mais cínico, mais niilista.
Entrevistei Saramago uma vez, em Porto Alegre. Não guardei lembrança especial desse encontro, salvo a de um senhor ranzinza que dava respostas previsíveis e parecia sempre chateado, estressado ou deslocado. Entrevistei Lobo Antunes em Lisboa, num velho apartamento desarrumado, e fiquei marcado. Perguntei a Lobo Antunes o que pensava de Saramago. A sua resposta foi curta e grossa: "Conheço mal Saramago. Leio duas páginas dele e chateio-me. A leitura deve conduzir ao prazer. Posso assegurar que não encontro prazer nos livros de Saramago". Terá mudado de ideia? Dirá agora outra coisa? Ideologicamente, não há como evitar o tema, Saramago era um anacrônico, um teimoso, um Dunga disposto a morrer, como morreu, abraçado com suas convicções. Politicamente falando, embora nunca se deva falar mal de um morto, Saramago era um chato, um velho reacionário de esquerda.
Queria voltar no tempo. Algumas vezes, tinha razão, especialmente nos seus ataques ao neoliberalismo. Era um escritor de imaginação exuberante. Como gosto de andar na contramão, direi que o melhor de Saramago era a poesia. Tenho, na minha biblioteca, curiosamente, dois exemplares de um livro de Saramago, lado a lado, "Provavelmente Alegria". Gosto de reler este poema dele: "Ainda agora é manhã, e já os ventos/ Adormecem no céu. Pouco a pouco,/ A névoa antiga e baça se levanta./ Ruivosamente, o sol abre uma estrada/ Na prata nublada destas águas./ É manhã, meu amor, a noite foge,/ E no mel dos teus olhos escurece/ O amargo das sombras e das magoas". Acho isso maravilhoso. Saramago ficará na história da literatura contemporânea como um dos grandes. É menos conhecido no mundo do que o argentino Jorge Luís Borges, que não ganhou o Nobel.
Saramago começou a escrever tarde, depois de uma primeira tentativa fracassada. É um consolo para os que ainda sonham com a glória, com a fortuna e com a admiração de milhões de leitores apesar da idade avançada. Nos últimos tempos, ele era blogueiro, com ajuda da mulher, sinal de que conseguia se adaptar aos novos tempos, exceto ideologicamente. Estarei na França neste sábado. Quero ver a repercussão da morte de Saramago em Paris. Será que as livrarias vão se encher de livros dele nos pontos de destaque? É o momento. Depois, como sempre, começará o longo trabalho do esquecimento.
Incrível mas as palavras de Lobo Antunes sobre a obra massante e enjoativa do Saramago sempre foram exatamente as minhas. Nunca consegui ler um livro desse homem! Horrivelmente chatos! Abraço Fernando!
ResponderExcluirComo disse?
ResponderExcluirAntónio Lobo Antunes "mais céptico, mais irónico, mais niilista"? !?!?! Leu bem a obra de um e de outro? Não um livro de cada um, mas boa parte da obra de ambos, para se saber analisar as diferenças. Acho que deve ser o contrário do que diz. Então de niilista é que o António não tem nada...
Mais: Saramago é menos conhecido no mundo que Borges?!?!? O mundo fica onde para si, em Porto Alegre?
"longo trabalho de esquecimento"?!??!?! Bem, só se for para quem, infelizmente, sofra de Alzheimer.
O senhor deve mesmo gostar de "andar na contramão"...
Caro, desculpe, isto não é nada pessoal, encontrei o seu blogue por um acaso, mas não resisti a comentar o quanto discordo da sua opinião...
Há certas "tacanhices" de Saramago, por certo, afinal um senhor octogenário pode ser dar ao luxo de ser ranzinza. Além disso, foi português, por isso tem suas raízes firmes, inamovíveis. Adiciono, ainda, o comunismo, pois sempre apresenta-se contrário, em fuga.
ResponderExcluirComo outro lado, vejo em seu texto, também, certa tacanhice. Talvez uma intransigência diante das ideias de Saramago para quebrar o senso comum. É isso com os dogmas católicos (No Evangelho segundo Jesus Cristo), com a História Oficial (no História do Cerco de Lisboa), etc, etc.
António Lobo Antunes, por sua vez, foca-se na cerebralidade, na profundidade intrincada do pensamento, sobretudo dos ex-combatentes da Guerra Colonial.
São estilos diferentíssimos, cada um pensa o que quer. Mas o que não pode é tachar um livro, um autor, de CHATO apenar por não ser seu estilo ou por não ter entendido (não digo ser o seu caso, por certo).
Talvez Saramago seja esquecido, talvez não. Camões não o foi. Pessoa também não. Poderia somar António Vieira, Antero de Quental, Eça de Queirós e por aí afora.
Obrigado pela atenção e sugiro que dê uma segunda chance ao homem (digo Saramago, pois o Homem, esse, nunca se encontra satisfeito com nada, o que tem seu lado bom).