quarta-feira, 17 de novembro de 2010


É possível que a decisão liminar abaixo transcrita seja cassada. Mas o importante é que existe e tem eficácia e que desmoraliza a pretensão de escorreita legalidade da greve - que levou esse herói - cujo nome editei em vermelho e negrito - a abandonar seu plantão para viver seus minutos de Étienne Lantier (Germinal, Zola) dos sete oprimidos doutores que sobrevivem daquela velha - e inesgotável - mina chamada Santa Casa de Caridade de Uruguaiana.

Processo: 11000073020 - 2ª Vara Cível

MUNICÍPIO DE URUGUAIANA X JACIARA FÁTIMA RITTER, EDMUNDO VINÍCIUS GIMENEZ PERSIANI, FÁBIO AUGUSTO MORAES WIECZOREK, FLAVIO JAIR RICARDI ÁVILA, FRANK PANZIERA AREND E PEDRO HENRIQUE ANDRE FOSTER

Vistos. Cuida-se de ação ordinária, com pedido liminar, ajuizada por Município de Uruguaiana em face de Fábio Augusto Moraes Wieczoreck e outros. Narrou que as categorias dos médicos obstetras e ginecológicos, via sindicato, iniciaram negociação com a administração da Santa Casa de Caridade de Uruguaiana, visando dentre outros pleitos, a melhor remuneração da classe. Aduziu que ameaçaram paralisar os serviços de plantão (urgência e emergência). Referiu que a administração da Santa Casa de Caridade após reunião com os profissionais, no dia 11/11/2010, enviou proposta para formalização de relação empregatícia. Relatou que ante a ausência de resposta por parte do sindicato quanto a proposta apresentada, bem como havendo dúvidas acerca de eventual paralisação dos serviços pelos profissionais, realizou reunião com os médicos Persiani, Jackson e Foster. Por conseguinte, asseverou terem decidido que não haveria nenhum tipo de paralisação ou operação ¿tartaruga¿ e após o feriado, no dia de hoje, seriam retomadas as negociações. Ocorreu que, após, as 24h do 13/11/2010 (meia noite de sábado) o médico Frank Arend evadiu-se do plantão da Santa Casa de Caridade, sem qualquer aviso ou notificação por escrito, deixando pacientes sem atendimento. Diante de tal impasse, busca o Poder Judiciário para solução do conflito instalado. Brevemente relatado. Decido. Em cognição sumária, a situação narrada aparenta versar sobre hipótese de conflito entre a continuidade de serviço público essencial, atinente à Saúde Pública, e o livre exercício do direito de paralisação e greve. Em situação análoga, o TJRS se pronunciou no sentido de que, não obstante o direito de paralisação e greve, é inviável a interrupção de serviço público essencial, conforme se depreende dos argumentos expendidos na decisão relatada pelo Des. José Luiz Reis de Azambuja, no Acordão nº 70036230522: ¿(...) Penso que não é possível impor rigidez extrema à questão, inclusive porque o direito de greve se estende a todas as categorias de trabalhadores, direito contemplado aos servidores públicos na própria Carta da República, em seu artigo 37, inciso VII. Todavia, o seu exercício não é absoluto, vedado que se opere de forma ilimitada, devendo ser presidido, especialmente, pelos princípios constitucionais da supremacia do interesse público e da continuidade dos serviços essenciais, asseguradas as necessidades da comunidade, notadamente no campo do atendimento e preservação da saúde, área dos filiados ao Sindicato agravante. Não é outro o sentido das disposições da Lei 7.783, de 28 de junho de 1989, e que, à falta de edição de norma específica, continua a disciplinar, ainda que analogicamente, o exercício do direito de greve e definir atividades essenciais ao atendimento dos cidadãos, tal como decidiu o egrégio STF, quando julgou, em 30-10-2008, os mandados de injunção 670/ES, 708/DF e 712/PA, e a ADI 3235/AL, em 04-02-2010. Observo que a referida Lei, em seu artigo 10, contempla os serviços e atividades essenciais, arrolando, em seu inciso II, a assistência médica e hospitalar, em amplo sentido. Certamente sequer seria necessária uma definição legal para que qualquer cidadão, por menos luzes que possua, alcance a conclusão de que os serviços inerentes ao atendimento e manutenção da saúde da população, se insiram entre os mais essenciais, determinantes, básicos e indispensáveis. Portanto, tomando o referido diploma legal, analogicamente, como norte para a definição do direito aqui postulado, destaco os termos de seus artigos 11e 14, que insisto em transcrever: ¿Art. 11 ¿ Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. Parágrafo único ¿ São necessidades inadiáveis da comunidade, aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população. Artigo 14 ¿ Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente lei, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho.¿ Tendo presente, ainda, como realidade, a crescente socialização da Medicina, que tem levado, em muitos casos, ao aviltamento da remuneração de seus profissionais, especialmente no campo do atendimento público, e entendendo que a eles, por um enfoque democrático, também devem ser assegurados instrumentos e possibilidades de discutir suas relações de emprego, condições de trabalho e remuneração, estou por posicionar-me pelo acolhimento do pedido posto neste agravo de instrumento, para reformar a respeitável decisão recorrida e declarar entender que, ao menos neste momento e considerado o caráter interlocutório da decisão, não há abusividade no movimento grevista pretendido, mas que deve ser exercido com a plena garantia da manutenção do atendimento de urgência e emergência à população. Tomo a liberdade, por fim, de expor minha esperança, na condição de cidadão, de que as partes se permitam, inclusive previamente, negociar e dialogar a respeito dos direitos em jogo. Mas destaco, de forma marcante e com o máximo relevo, as proposições do próprio embargante, ao cabo de suas razões recursais, de exercer o direito pretendido de forma responsável, com a manutenção da totalidade dos atendimentos de urgência e emergência aos munícipes. (...)¿ Assim, ao menos em sede de cognição rarefeita e sem se olvidar os direitos de paralisação e greve dos réus, na situação narrada deve prevalecer o interesse público na continuidade do serviço essencial, condicionada a antecipação da tutela, evidentemente, à identificação, ainda que superficialmente, dos requisitos corporificados na prova inequívoca capaz de induzir verossimilhança das alegações e no fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (art. 273, caput, CPC). Nesse contexto, a relação contratual envolvendo as partes é demonstrada pelos contratos (fls. 22/35) e respectivos pagamentos pelos serviços prestados (fls. 49/75). Ademais, evidenciada a realização de tratativas entre o sindicato médico e a administração da Santa Casa de Caridade de Uruguaiana (fls. 37/43). Ainda, consoante relato inicial, há fundado receio de que terá início a prática de paralisação por parte dos profissionais das áreas de obstetrícia e ginecologia do serviço de plantão (urgência e emergência) prestado junto a Santa Casa de Caridade de Uruguaiana, com o fim de garantir o êxito em pleitos remuneratórios reivindicados pela classe, fato que se pode extrair, por meio de cognição sumária, dos documentos acostados às fls. 45/47. Há, portanto, prova inequívoca capaz de induzir verossimilhança das alegações do autor. Outrossim, direta ou indiretamente, presente justa e concreta possibilidade de moléstia ao exercício dos direitos inerentes à Saúde Pública, amplamente consagrados na Constituição Federal, o que evidencia risco de dano irreparável ou de difícil reparação. Destarte, entendo estarem presentes os requisitos autorizadores da concessão da antecipação de tutela. Por tais razões, defiro a liminar pleiteada, determinando que os réus mantenham em funcionamento o plantão (urgência e emergência) prestado junto a Santa Casa de Caridade de Uruguaiana nas áreas de obstetrícia e ginecologia, até o término das negociações em trâmite entre as partes, sob pena de multa de R$2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) por dia de paralisação do plantão, individualmente para cada réu. Intimem-se e citem-se. Dil. Legais. Juiz Carl Olav Smith

Um comentário:

  1. Levaram ferro. E queriam o quê? Há segmentos da sociedade que por peculiaridade da profissão não podem jogar tudo pra cima e sair correndo. Necessário responsabilidade. Decisão açodada e pau no lombo. A medicina, via de regra, é cursada por filhos de famílias abastadas, os quais gostam muito de ficar em grandes centros, havendo, pois nas pequenas e médias cidades muito menos médicos do que o necessário e recomendável. Aceitando estes pressupostos como verdadeiros fácil negociar e obter senão o pretendido, pelo menos parte do mesmo. Mais uma vez a assertiva de que diploma não significa inteligência e bom senso se fez presente.
    Juízo “doutores”!

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